O ministro citou Ainda Estou Aqui, ao discutir crimes permanentes da ditadura militar, criticando ação prolongada de um sistema de impunidade.
Em um cenário onde a Justiça precisa lidar com as consequências de um passado marcado pela ditadura militar, um assunto ganha cada vez mais destaque: a aplicação da lei da anistia. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, defende que a discussão sobre a aplicação da lei 6.683/79 deve ser feita na Corte. Essa lei, sancionada em 1979, ofereceu anistia a crimes cometidos durante o período da ditadura militar, buscando o fechamento de capítulos sombrios da história brasileira.
Um dos aspectos questionados é a aplicação da anistia em crimes que iniciaram-se durante a ditadura, mas cujos efeitos ainda persistem até os dias atuais. Essas ocorrências são conhecidas como crimes permanentes e representam um desafio para a Justiça ao tentar equilibrar a necessidade de punir os responsáveis com a necessidade de fechar o ciclo da história. O ministro Flávio Dino está defendendo a discussão desse tema dentro do STF, o que pode levar a uma revisão das leis que regem a anistia e a punição de crimes cometidos durante a ditadura.
Delito persistente, traição e violência: Entendendo o crime permanente
A complexidade do delito exige atenção, por sua natureza jurídica e relevância histórica, o que levou o relator a propor que seja tratado sob o sistema de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal (STF), que permite ao órgão definir um entendimento vinculante para as instâncias inferiores da Justiça. O delito em questão é o crime permanente, definido como aquele cuja consumação se estende no tempo, enquanto perdurarem seus efeitos. Diferentemente de crimes instantâneos, que se encerram com a prática do ato, os permanentes continuam ocorrendo até que a situação criada pelo delito seja cessada.
Delito e crime: uma discussão intensa
A proposta do relator surge no âmbito de um recurso que discute crimes ocorridos durante a Guerrilha do Araguaia, caracterizados como delitos, como o homicídio cometido por Lício Augusto Ribeiro Maciel e a ocultação de cadáver praticada por Sebastião Curió, ambos militares do Exército Brasileiro. Curió faleceu em 2022, mas o processo busca a condenação de Maciel. Na 1ª instância, a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) foi rejeitada com base na lei da anistia. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª região manteve a decisão, levando o caso ao STF, que deverá avaliar se aplica a repercussão geral. O relator propõe que a Lei da Anistia não vale para ocultação de cadáver, o que afasta a ideia de que o crime seja abafado.
Delito, crime e sistema de justiça
A ocultação de cadáver, por exemplo, continua acontecendo enquanto o paradeiro da vítima permanece desconhecido. ‘A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercerem seu direito ao luto, configura a prática do crime, bem como situação de flagrante’, enfatizou o relator. O relator esclareceu que a proposta não revisa a decisão do STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, que reconheceu a constitucionalidade da lei da anistia. ‘O debate do presente recurso se limita a definir o alcance da Lei de Anistia em relação ao crime permanente de ocultação de cadáver’, detalhou.
Delito, crime e lei da anistia
A lei da anistia, promulgada em 1979, concedeu perdão a crimes políticos e conexos ocorridos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Contudo, a questão que se coloca agora é se delitos como a ocultação de cadáver, que se prolongam após 1979, podem ser punidos. Para ilustrar o impacto humano desse tipo de crime, o relator mencionou o filme ‘Ainda Estou Aqui’, inspirado no livro de Marcelo Rubens Paiva, que relata o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva. ‘A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos’, destacou.
Fonte: © Migalhas
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