O Plenário do STF analisa ação sobre a Convenção de Haia, abordando direito de guarda e risco grave em casos de violência doméstica.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal iniciou, nesta quinta-feira (6/2), a análise de um caso que aborda o dispositivo da Convenção de Haia relacionado à repatriação de crianças retiradas de seus lares. O julgamento, que será retomado em data ainda indefinida, tem como foco principal garantir que a repatriação de crianças seja realizada de forma segura e adequada, considerando todos os aspectos legais e de proteção.
Na ação apresentada pelo PSOL, a discussão central é sobre a devolução de crianças ao lar no exterior, especialmente em situações em que há indícios ou riscos de violência doméstica. O partido argumenta que o regresso de crianças deve ser precedido por uma avaliação cuidadosa, visando proteger os direitos e o bem-estar dos menores envolvidos. É fundamental que a segurança das crianças seja priorizada em todos os processos de repatriação.
Repatriação de Crianças e a Interpretação da Convenção de Haia
A sessão realizada nesta quinta-feira foi dedicada às sustentações orais das partes envolvidas e às manifestações dos amigos da corte. O julgamento, no entanto, foi adiado para uma data ainda a ser definida. De acordo com a Convenção de Haia, em situações em que há violação do direito de guarda, a repatriação de crianças ou adolescentes ao país de origem é obrigatória quando a transferência para o novo país ocorreu em menos de um ano. Esse cenário é frequentemente observado quando um dos pais ou um familiar próximo leva a criança para outro território sem autorização, desrespeitando as normas legais estabelecidas.
Exceções à Repatriação de Crianças
O Supremo Tribunal Federal analisará, em especial, o artigo 13, alínea ‘b’, da Convenção de Haia, que prevê a possibilidade de impedir a devolução de crianças quando há comprovação de risco físico ou psicológico, ou quando a criança pode ser exposta a uma situação intolerável. O PSOL argumentou que essa exceção deve ser estendida aos casos em que a mãe busca refúgio no Brasil devido a violência doméstica. Durante a sessão, a Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu que a interpretação do artigo 13, alínea ‘b’, deve estar em conformidade com a Constituição brasileira.
A AGU sustentou que o retorno de crianças pode ser bloqueado quando há evidências de violência doméstica contra a mãe, uma vez que tais situações se enquadram nos conceitos de risco grave ou situação intolerável, previstos na convenção. Luciene Cavalcante, representante do PSOL, reforçou que a não consideração desses casos resulta em uma ‘aplicação equivocada da convenção’. Ela destacou que indícios de violência já são suficientes para impedir a repatriação de crianças, criticando a aplicação automática do artigo que determina o regresso de crianças mesmo quando a violência é comprovada.
Violência Doméstica como Impeditivo à Devolução de Crianças
Luciene enfatizou que mães que fogem de lares marcados por violência doméstica não devem ser tratadas como criminosas ou sequestradoras. ‘O Estado brasileiro não pode ter dúvidas quanto a isso. São mulheres em situação de vulnerabilidade que precisam ser acolhidas e ter a oportunidade de criar seus filhos em um ambiente seguro e saudável’, afirmou. A Procuradoria-Geral da República (PGR) adotou uma posição intermediária, sustentando que não é necessária uma prova cabal de violência, mas sim elementos que indiquem a existência de tal risco.
Maria Cláudia Bucchianeri, representante do Instituto Nós por Elas, argumentou que, em determinados casos, não entregar a criança é uma forma de respeitar a Convenção de Haia, já que a convenção prevê exceções à repatriação de crianças. Ela ressaltou que a convenção não exige uma certeza absoluta sobre a violência, mas sim a identificação de um risco grave de perigo. ‘Esse automatismo na devolução de crianças precisa ser rompido. Cumprir o tratado significa não enviar a criança de volta a um ambiente de violência. A convenção não exige prova inequívoca, mas sim a plausibilidade jurídica de uma situação de risco’, concluiu.
Fonte: © Conjur
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